Monday, April 28, 2014

Nem tudo são flores

Muita gente acha que minha vida foi fácil, só desfrutando da companhia dos ricos e famosos, comendo bem, andando de primeira classe e contribuindo humildemente para a história em intervenções pontuais. Não têm ideia do que já passei nesta vida, certas coisas que nem posso contar aqui. Em grande parte fiz o que fiz pela minha nobreza de coração e lealdade, morro por um amigo.

Lá em meados dos anos 50, tive que fazer um negócio na Rússia. Era época de Guerra Fria, e eu brasileiro, ocidental e capitalista de carteirinha. Não era muito fácil entrar no país, porém, como sou nobre e bem conhecido no meio político, consegui o visto. O cunho da minha visita era artístico, seria uma visita bem inócua.

Durante a minha permanência em Moscou, me apresentaram o Leonid. Convidou-me para conversar no seu escritório, no centro de Moscou. Nunca vi coisa igual. O escritório tinha duas escrivaninhas, munida cada uma com uma cadeira, e um sofá. Numa das escrivaninhas, somente dotadas de um aparelho telefônico cada, sentava-se Leonid, na outra seu assistente, Spasitel. Aparentemente, não faziam nada o dia inteiro, a não ser ler o Pravda.

Sentei-me, e começamos a conversar. Depois de uma hora, entram no escritório dois sujeitos mal encarados. Começam a revistar tudo, e nada acharam nas mesas. Daí removem duas hastes de metal reluzente encontradas embaixo da almofada do sofá. Os broncos perguntam, quase gritando "O que é isto?".

A resposta de Leonid foi engraçada:
- Vocês não vão acreditar, são varas de pescar, achei que tinha perdido.

E tomou os aparatos das mãos dos brutalhões, agradecendo-os. Os camaradas saíram contrariados, pois estavam esperando alguma coisa, não sei o que.

Surpreendentemente, a Gorda (era assim que o apelidei, carinhosamente), me disse:
- Esse pessoal da KGB é muito chato, e são burros. Estas duas são antenas de tungstênio, que uso nos meus aparelhos de escuta telefônica. Mas daqui a alguns anos eu tomo conta do país e eles vão se ver comigo.

Continuamos a nos corresponder, a Gorda e eu. Ele me chamava de Cospe-cospe. Algum brasileiro espírito de porco lhe ensinou a conjugação do verbo cuspir, e Leonid, que adorava brincar, criou o espirituoso apelido. Leonid achava que eu cuspia para falar. Ninguém nunca reclamou, nem quando falava russo, nem um dos outros 31 idiomas que falo perfeitamente...Porém, foi esse o preço para continuar chamando-o de Gorda, valeu a pena

Alguns devem se lembrar da minha amiga Bratislava Romanova, que conheci no Paraguai. Pois bem, tive que ir a Rússia de novo por causa dela, só que desta feita, confesso que entrei com um passaporte fajuto. Minha secretíssima missão era apurar o paradeiro do cofre que seria aberto com a chave 171, que continha verdadeira fortuna da família do Tzar, os Romanov.

Entrar na Rússia foi até fácil. Porém, no meio do caminho, a KGB me pegou. Fui levado para um lugar escuro, e ninguém falou comigo durante um dia. Era a época do Kruschev e o mundo quase tinha ido para os ares a poucos meses, na Baía dos Porcos. De repente, abre a porta. Qual não foi a minha surpresa, o oficial que veio me interrogar era nada menos do que Leonid "Gorda" Brejnev. Acompanhado de diversos sujeitos mal encarados, a "Gorda" lhes disse, "podem deixar que eu tomo conta dele", ao mesmo tempo que piscava um dos olhos, uma cena engraçada, considerando a sua grossa sobrancelha.

Brejnev me levou dali num ZAZ preto, e me disse:

- Você deveria ter me contatado em vez de fazer esse serviço sozinho. O cofre da chave 171 está em Londres, não está aqui. Até lhe dou o endereço.
- Como você sabia o que vim fazer aqui?
- Eu sei tudo, Cospe-cospe! Não estou interessado no dinheiro dos Romanov. Agora te tirar aqui da Rússia vai ser difícil, o Kruschev acha que você é espião americano. Vamos fazer o seguinte, conheço uns ex-agentes da KGB que têm todas as chaves do aeroporto de Moscou. Eles te acompanham e levam você dentro do avião, passando por trás do controle de passportes. Eu arranjo uma passagem no primeiro voo da Aeroflot para fora da Rússia. Hoje à noite você dorme na minha casa.

Assim foi feito. No dia seguinte, fiquei esperando minha passagem, além do meu passaporte (que tinha sido confiscado), e logo batem na porta do Leonid três sujeitos mau encarados. Um deles reconheci, era um dos truculentos que o Leonid enganou com a vara de pescar. Me colocaram em outro Zaz preto, e lá fui eu para o aeroporto de Moscou.

Confesso que a perspectiva de ficar preso na Rússia não era alentadora. O aeroporto estava cheio de policiais fardados e disfarçados. Porém, meus assistentes sabiam o que estavam fazendo, e me conduziram por um imenso labirinto de corredores, até chegar no voo da Aeroflot que iria para Londres. Entrei no avião. O dito cujo não partia de jeito nenhum. E cada hora entrava um mal encarado lá dentro. Olha, achei que eu iria dançar, e não era polca. Eventualmente fecharam as portas, e lá fui eu para Londres.

Realmente a Gorda logo tomou conta do país, e como agracedimento, lhe enviei alguns carros para iniciar a sua coleção.

E consegui recuperar a fortuna dos Romanov para a Bratislava.

No comments:

Post a Comment